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19 agosto 2012

Uma Mensagem aos Pais



“A palavra branda desvia o furor, mas, a dura suscita a íra”
Provérbios.  15:1


    Resolvi fugir de casa, não havia motivos para isso, mas resolvi. Meus pais me tratavam bem, eu era o menino mais privilegiado da vizinhança. Mas bateu aquela vontade de ir embora, conhecer novos lugares, aventurar-me por esse mundo afora.

    Logo, surgiu a oportunidade de concretizar esse intento.  À margem da estrada que nos conduzia a cidade, morava um casal de velhos. Quando anoitecia os dois sentavam-se na calçada da casa e ali ficavam até que o sono os convidasse a entrar.

    Todas as vezes que eu  passava ali, dava uma paradinha, conversava um pouco com eles, tornou-se um hábito da minha parte. Uma noite disseram-me que fariam uma viagem ao Recife. Iriam visitar uns parentes que moravam lá. Eu também tinha um tio que morava naquela capital, não pensei duas vezes; perguntei-lhes: -Vocês podem me levar junto?

    Claro, meu filho, foi a resposta. Fale com seus pais.

    Mas isto não estava nos meus planos,  jamais  eu  teria  a  permissão deles, precisava fazer isso às escondidas,  quando sentissem a minha falta já estaria longe. Mesmo assim comuniquei o fato a minha mãe, seria injusto deixá-la assim. Ela me deu o silêncio como resposta.

    Na verdade, eu não queria fugir dela, nem mesmo do meu pai.

    É que  alguns primos já haviam feito isso antes e quando voltavam de férias vinham diferentes.

    Roupas bonitas, óculos escuros da armação larga e, cinturão de fivela grande. Iam a feira e lá encostavam-se nos bancos de madeira com os dedos polegares dentro das riatas da  calça, nessa posição paqueravam as mocinhas que encabuladas riam e escondiam o rosto.

    Alguns traziam radiola da marca philips e alguns discos da velha guarda,  era uma festa, a casa ficava cheia. De longe se ouvia os sucessos de Nilton César e Silvinho, “A namorada que sonhei”, “Tu és o maior amor da minha vida”, como eu os invejava! Precisava ir para a cidade grande.

    A viagem seria na madrugada do domingo, disse-me o senhor João Marques e dona Emília. Que eu estivesse em sua casa às três horas da manhã. No sábado que antecedeu este dia, selei meu cavalo e fui à casa de um amigo pedir uma mala emprestada. Ele não só me emprestou como me incentivou nesse intento e, desejou-me boa sorte.

    Comecei a arrumação da mala, separei as roupas que estavam menos desbotadas.  A  única  coisa nova que botei nela foi um par de alpercatas marrom, já fazia algum tempo que meu pai me dera aquele calçado mas, eu tinha pena de estragá-lo  nas  pedras do caminho. Agora iria usá-lo na cidade grande, nas ruas mais lisas do que o piso da minha casa.

    Minha mãe observava tudo sem dar uma palavra. Eu estava muito à vontade, era sábado e todos os sábados meu pai trabalhava numa mercearia, chegando só a noitinha.

    Quando o sol se escondeu no horizonte, prenunciando a  chegada da noite, fui  me esconder numa touceira de aveloz (arbusto leitoso) que ficava atrás de casa. Logo, meu pai iria chegar do trabalho e eu queria evitá-lo. De onde estava podia ver, sem ser visto todos os movimentos dentro de casa pela porta da cozinha que se encontrava aberta. Meu pai chegou. Vi quando minha mãe dirigiu-se a ele e disse-lhe alguma coisa que entendi muito bem o que era. Após ouví-la, dirigiu-se à porta e olhando na direção aonde eu estava me chamou:

 _Velto.

Estremeci; pensei em não responder, mas o seu chamado era irresistível, timidamente respondi:

_Senhor.

A voz de comando se fez ouvir:

_ Venha cá.

Eu sabia o que me esperava, seria mais uma surra daquelas, talvez a maior das que eu já tinha levado.
     Não tremi como das outras vezes que era chamado para apanhar. No íntimo, eu estava desejando ser surrado; o ardor das chicotadas me levaria mais depressa ao meu objetivo.  Ele não sabia que a mala estava escondida no meio do mato, eu tinha pensado em tudo. Dessa vez eu não choraria, seria a última surra, depois era só a liberdade. Ao entrar em casa, chamou-me para o seu quarto, sentou-se na cama e disse para eu também me sentar. A penumbra envolvia o ambiente. A única luz que havia era a de um candeeiro que estava na casa, não lembro de ter visto minha mãe. Teria ela se afastado para não ver o que iria acontecer comigo?

Meu pai falou brandamente:

_ Meu filho, sua mãe me disse que você quer ir embora. Tomei um susto, não com aquelas palavras, mas com a maneira como ele falou.

Não era comum meu pai tratar de um problema com aquela calma. As coisas eram resolvidas no grito e na pancada. Diante daquela serenidade emudeci.  Ele continuou:

_ Meu filho, você é muito jovem, não sabe como é viver numa cidade grande. Eu e sua mãe vamos ficar muito preocupados e tristes com a sua ausência. Tudo tem seu tempo, quando você for de maior pode ir. Pense nisto. Caí no choro, queria abraçá-lo mas tinha vergonha. Entre soluços disse: _ Pai, eu não quero mais ir embora.

Ele passou a mão na minha cabeça e saiu, foi chorar às escondidas. Poucos anos se passaram depois disso, quando chegou o dia de eu ir definitivamente para o Recife, agora com a bênção e a aprovação dos meus pais. Estava indo embora com um propósito grandioso, iria me preparar para ser Pastor. E isto os deixou muito felizes.

Pr. José Vasconcelos

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