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02 maio 2012

Plano de Fulga


A palavra branda desvia o furor, mas, a dura suscita a ira

Provérbios.  15:1

  

Resolvi fugir de casa, não havia motivos para isso, mas resolvi. Meus pais me tratavam bem, eu era o menino mais privilegiado da vizinhança. Mas bateu aquela vontade de ir embora, conhecer novos lugares, aventurar-me por esse mundo afora.
Logo, surgiu a oportunidade de concretizar esse intento. À margem da estrada que nos conduzia a cidade, morava um casal de velhos. Quando anoitecia os dois sentavam-se na calçada da casa e ali ficavam até que o sono os convidasse a entrar.
Todas as vezes que eu passava ali, dava uma paradinha, conversava um pouco com eles, tornou-se um hábito da minha parte. Uma noite disseram-me que fariam uma viagem ao Recife. Iriam visitar uns parentes que moravam lá. Eu também tinha um tio que morava naquela capital, não pensei duas vezes;
perguntei-lhes:
_ Vocês podem me levar junto?
Claro, meu filho, foi a resposta. Fale com seus pais.
Mas isto não estava nos meus planos, jamais eu teria a permissão deles, precisava fazer isso às escondidas, quando sentissem a minha falta já estaria longe. Mesmo assim comuniquei o fato a minha mãe, seria injusto deixá-la assim. Ela me deu o silêncio como resposta.
Na verdade, eu não queria fugir dela, nem mesmo do meu pai.
É que alguns primos já haviam
feito isso antes e quando voltavam de férias vinham diferentes. Roupas bonitas, óculos escuros da armação larga e, cinturão de fivela grande. Iam a feira e lá encostavam-se nos bancos de madeira com os dedos polegares dentro das riatas da calça, nessa posição paqueravam as mocinhas que encabuladas riam e escondiam o rosto.
Alguns traziam radiola da marca philips e alguns discos da velha guarda, era uma festa, a casa ficava cheia. De longe se ouvia os sucessos de Nilton César e Silvinho, “A namorada que sonhei”, Tu és o maior amor da minha vida”, como eu os invejava! Precisava ir para a cidade grande.
A viagem seria na madrugada do domingo, disse-me o senhor João Marques e dona Emília. Que eu estivesse em sua casa às três horas da manhã. No sábado que antecede este dia, selei meu cavalo e fui à casa de um amigo pedir uma mala emprestada. Ele não só me emprestou como me incentivou nesse intento e, desejou-me boa sorte.
Comecei a arrumação da mala, separei as roupas que estavam menos desbotadas. A única coisa nova que botei nela foi um par de alpercatas marrom, já fazia algum tempo que meu pai me dera aquele calçado mas, eu tinha pena de estragá-lo nas pedras do caminho. Agora iria usá-lo na cidade grande, nas ruas mais lisas do que o piso da minha casa.
Minha mãe observava tudo sem dar uma palavra. Eu estava muito à vontade, era sábado e todos os sábados meu pai trabalhava numa mercearia, chegando só a noitinha.
Quando o sol se escondeu no horizonte, prenunciando a chegada da noite, fui me esconder numa touceira de aveloz (arbusto leitoso) que ficava atrás de casa. Logo, meu pai iria chegar do trabalho e eu queria evitá-lo. De onde estava podia ver, sem ser visto todos os movimentos dentro de casa pela porta da cozinha que se encontrava aberta. Meu pai chegou. Vi quando minha mãe dirigiu-se a ele e disse-lhe alguma coisa que entendi muito bem o que era. Após ouvi-la, dirigiu-se à porta e olhando na direção aonde eu estava me chamou:
_Velto.
Estremeci; pensei em não responder, mas o seu chamado era irresistível, timidamente respondi:
_Senhor.
A voz de comando se fez ouvir:
_Venha cá.
Eu sabia o que me esperava, seria mais uma surra daquelas, talvez a maior das que eu já tinha levado. Não tremi como das outras vezes que era chamado para apanhar. No íntimo, eu estava desejando ser surrado; o ardor das chicotadas me levaria mais depressa ao meu objetivo. Ele não sabia que a mala estava escondida no meio do mato, eu tinha pensado em tudo. Dessa vez eu não choraria, seria a última surra, depois era só a liberdade. Ao entrar em casa, chamou-me para o seu quarto, sentou-se na cama e disse para eu também me sentar. A penumbra envolvia o ambiente. A única luz que havia era a de um candeeiro que estava na casa, não lembro de ter visto minha mãe. Teria ela se afastado para não ver o que iria acontecer comigo?
Meu pai falou brandamente:
_Meu filho, sua mãe me disse que você quer ir embora. Tomei um susto, não com aquelas palavras, mas com a maneira como ele falou. Não era comum meu pai tratar de um problema com aquela calma. As coisas eram resolvidas no grito e na pancada. Diante daquela serenidade emudeci. Ele continuou:
_ Meu filho, você é muito jovem, não sabe como é viver numa cidade grande. Eu e sua mãe vamos ficar muito preocupados e tristes com a sua ausência. Tudo tem seu tempo, quando você for de maior pode ir. Pense nisto. Caí no choro, queria abraçá-lo
mas tinha vergonha. Entre soluços disse:
_ Pai, eu não quero mais ir embora.
Ele passou a mão na minha cabeça e saiu, foi chorar às escondidas.
Poucos anos se passaram depois disso, quando chegou o dia de eu ir definitivamente para o Recife, agora com a bênção e a aprovação dos meus pais. Estava indo embora com um propósito grandioso, iria me preparar para ser Pastor. E isto os deixou muito felizes.
Pastor Vasconcelos

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